Gotas Indecifráveis
Gotas indecifráveis
Gotas nascem, gotas caem, gotas morrem,
Torrentes matam, os mares consomem.
As gotas da vida, os prismas do arco-celeste
Os reflexos da Luz, as paranóias reveste.
As gotas são meigas e sensíveis
Mas destroem o que o coração edifica
Pé ante pé, as gotas de raiva vencem
As marés fugidias de felicidade.
As gotas desfeitas por moinhos de ventania
Quais monstros invisíveis que fulminam Dulcineia
A amor foge entre a bruma espessa e ambígua
Desaparece na neblina confusa e iníqua.
O Orvalho da madrugada vinga o despertar
O Sol transforma as gotas da esperança
Em vida, em ar, em alento de bonança
Renasce a vontade, a força, o desejar.
A Lua traz a noite num véu de luar
Revolve a tristeza e vence a resplandecência
Consome o calor e extingue o fio da essência
Em gotas de sangue que gelam o ousar.
A valsa vai lenta, em notas surdas e fugitivas
Na melodia vislumbram-se fotos tristes e tremidas
A letra está morta, as palavras vazias e sentidas
Cantos de Ilusões, Fados amargos e Odes confundidas.
As Gotas escorrem pelo vidro enxuto
Num dia de sol, numa hora de luto
Caem do beiral numa espiral dormente
Deslizam no rosto numa realidade dolente.
As Gotas tocam o chão seco de amor
Esmagam o pó e desfazem o bolor
Desaparecem na terra esvaída de dor
Esvaem-se de pureza na transparência da cor.
As Gotas despertam a necessidade doentia
De desejar o amor qual acto de rebeldia
Fugir da miragem que espevita a alento
Adormecer da vida que incita o tempo.
Afana as Gotas que constróem o semblante
Que fazem sonhar pela salvação desesperante
Limpa a maquilhagem que ilude a presença
Desfaz o engodo e reassume a indiferença.
As Lágrimas são gotas de desespero
São folículos de alegria descontrolada
São pingos de amores atraiçoados
São prazeres ocultos e endeusados.
Secam-se as lágrimas, esquecem-se os prantos
Acabam-se as Gotas, Requiem da alma
A frieza transforma os recantos em sorrisos
Fortalece os amargos e afana os esquecidos.
Eugénio Rodrigues
(foto de Rosalina Afonso)
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