Se...
Se...
Se por um instante Deus se esquecesse de que sou uma marioneta de trapo e me oferecesse mais um pouco de vida, não diria tudo o que penso, mas pensaria tudo o que digo.
Daria valor às coisas, não pelo que valem, mas pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais, entendo que por cada minuto que fechamos os olhos, perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os outros param, acordaria quando os outros dormem.
Ouviria quando os outros falam, e como desfrutaria de um bom gelado de chocolate!
Se Deus me oferecesse um pouco de vida, vestir-me-ia de forma simples, deixando a descoberto, não apenas o meu corpo, mas também a minha alma.
Meu Deus, se eu tivesse um coração, escreveria o meu ódio sobre o gelo e esperava que nascesse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh sobre as estrelas de um poema de Benedetti, e uma canção de Serrat seria a serenata que ofereceria à lua.
Regaria as rosas com as minhas lágrimas para sentir a dor dos seus espinhos e o beijo encarnado das suas pétalas...
Meu Deus, se eu tivesse um pouco de vida...
Não deixaria passar um só dia sem dizer às pessoas de quem gosto que gosto delas.
Convenceria cada mulher ou homem que é o meu favorito e viveria apaixonado pelo amor.
Aos homens provar-lhes-ia como estão equivocados ao pensar que deixam de se apaixonar quando envelhecem, sem saberem que envelhecem quando deixam de se apaixonar!
A uma criança, dar-lhe-ia asas, mas teria que aprender a voar sozinha.
Aos velhos, ensinar-lhes-ia que a morte não chega com a velhice, mas sim com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, os homens...
Aprendi que todo o mundo quer viver em cima da montanha, sem saber que a verdadeira felicidade está na forma de subir a encosta.
Aprendi que quando um recém-nascido aperta com a sua pequena mão, pela primeira vez, o dedo do seu pai, o tem agarrado para sempre.
Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo quando vai ajudá-lo a levantar-se.
São tantas as coisas que pude aprender com vocês, mas não me hão-de servir realmente de muito, porque quando me guardarem dentro dessa maleta, infelizmente estarei a morrer...
Gabriel Garcia Marquez, após tomar conhecimento de um cancro linfático
(foto de Rosalina Afonso)
10 Comments:
Bela escolha.. sem dúvida um conselho para a vida..
Beijinho
Obrigada.
Este texto é brutalmente tocante, principalmente quando estas questões são, de alguma maneira, cotangentes da nossa vida.
Beijinhos
É muito bom sentir, que outros sentem o que o poeta sentiu :)
Obrigada, pela escolha deste texto, uma magnífica oferta a quem, por aqui passa!
Beijinho
Ora essa.
O texto é uma sugestão para isso mesmo. Quem passa, quem para, quem mira, quem pensa, quem sente...
Nunca ficar indiferente e consegui isso contigo.
Obrigada
Bjs
Eugénio Rodrigues
Gostei do que li.
Um dia destes passo por cá para te levar.
Fica bem.
Volta sempre
Abraço
Eugénio
Muitas pessoas apercebem-se de que viveram, quando a morte lhes bate à porta... mas ainda podem dizer a quem amam, a importancia que estes teem para si... mas quando(enquano) não temos esta "opurtunidade" de nos fazermos lembrar...é bom que continuemos a dizer àqueles que nos aquecem o coração... que os amamos...vezes sem conta...
Nunca é demais ;)
Beijinhos...
Marisa:
Grande reflexão.
Enquanto existe o enquanto, menos mal.
Quando o enquanto passa a definitivo, então aí já nada se pode fazer.
Diria que mais vale "aproveitar" enquanto temos algo, seja lá o que isso for.
Gostei de te ter por cá.
Bjos daqui de um Pierrot COMBATente.
Eugénio
Avassalador o que escreveu.
Sem dúvida Redonda, sem dúvida.
Bjos daqui
Eugénio
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